Pelo segundo ano seguido, o Brasil apresentou queda no volume de pesquisas científicas produzidas. Os dados são do relatório da Elsevier-Bori, que aponta uma diminuição de 7,2% na produção científica de 2023 em relação a 2022. O documento foi divulgado no final de julho.
O Brasil não está sozinho na queda. Dos 53 países analisados, 35 tiveram variação negativa, como Estados Unidos e Japão. Para a elaboração do estudo, foram analisados dados, entre 1996 e 2023, de países que produziram mais de 10 mil artigos científicos em 2022.
Conforme aponta o relatório da Elsevier-Bori, o Brasil mantinha um ritmo de crescimento do total de pesquisas produzidas até 2021, quando ocorreu a primeira queda. Atualmente, a produção se mantém em níveis similares ao período pré-pandemico.
Para Ricardo Oliveira da Silva, professor universitário e diretor da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), não podemos desprezar o impacto da fase aguda da pandemia de Covid-19.
“A necessidade de isolamento das pessoas, até que tivéssemos uma vacina segura e disponível, paralisou a coleta de dados em muitos laboratórios e a consequência disso é a redução no número de artigos submetidos e publicados. Isso atingiu a todos, em maior ou menor escala”, diz o professor.
Além do viés operacional, os cortes no investimento em ciência nos últimos anos podem ter gerado esse declínio na produção científica.
“A pandemia acelerou um processo que estava para acontecer. Estamos falando de uma janela de dez anos em que o financiamento [em ciência] no país ou estabilizou ou diminuiu”, afirma Marcio de Castro Silva Filho, diretor de pesquisa científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).
Essa janela indicada por Silva Filho é exposta em relatório do Observatório do Conhecimento, que identifica em 2014 o pico do denominado “Orçamento do Conhecimento” (montante de recursos públicos destinado à produção do conhecimento no Brasil), com investimentos na casa dos R$ 38 bilhões em valores reais.
Desde então, o ritmo de investimentos vem caindo, totalizando R$ 117 bilhões em perdas acumuladas em valores reais corrigidos pelo IPCA.
“Se o orçamento de 2014 tivesse sido integralmente aplicado a 2024, seria necessária a recomposição de R$ 86 bilhões para compensar as perdas que ocorreram entre 2015 e 2023”, aponta o relatório do Observatório.
Não existe uma receita mágica para a retomada do crescimento da pesquisa científica no Brasil. Ainda assim, especialistas são unânimes em afirmar: faltam mecanismos para que o ambiente científico seja atrativo para o desenvolvimento de uma carreira profissional — especialmente para os jovens.
Como lembra o ex-ministro da Educação e atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Renato Janine, a produção científica no Brasil é feita, majoritariamente, por pesquisadores que estão em programas de pós-graduação de universidades públicas. Logo, as soluções passam por melhorias por nesses ambientes.
As bolsas defasadas são uma pauta recorrente no meio acadêmico. Após quase dez anos de congelamento dos valores, o Governo Federal reajustou as bolsas oferecidas pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), as duas principais instituições que oferecem bolsas para estudantes de pós-graduação no país.
A bolsa de mestrado passou de R$ 1,5 mil para R$ 2,1 mil; de doutorado, de R$ 2,5 mil para R$ 3,1 mil; e de pós-doutorado, de R$ 4,1 mil para R$ 5,2 mil.
Porém, elas ainda se mostram insuficientes na visão dos cientistas ouvidos pela CNN. “O valor da bolsa em nível federal é baixo e está defasado para garantir qualidade de vida a jovens pesquisadores”, analisa Silva Filho.
Salários não competitivos para docentes das universidades federais são outro exemplo que ilustra como a vida acadêmica não é atrativa atualmente.
“Quem é da área de tecnologia da informação, por exemplo, ganha muito dinheiro. [São salários] superiores aos de um professor em início de carreira [em universidades federais]”, diz Janine.
A insatisfação com os salários também tem gerado discussões e foi motivo de greve de professores universitários no primeiro semestre deste ano.
Por quase dois meses, a categoria reivindicou o aumento dos salários e dos investimentos no setor. Após acordo com o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, o salário de professores com doutorado e dedicação exclusiva passou de R$ 7,3 mil para R$ 10 mil. Os que estão ingressando na carreira passaram a receber um salário inicial de R$ 8,4 mil.
Os especialistas indicam, ainda, a necessidade de investir os recursos em infraestrutura. Para eles, são necessários espaços físicos de qualidade para que os cientistas possam trabalhar e desenvolver os seus estudos.
“A necessidade de aumentar os investimentos nessa área é um consenso. Mas, não basta apenas aumentar os recursos. É preciso ter uma política de desenvolvimento científico pautada nas necessidades do país, na absorção dos profissionais formados e na recuperação do parque científico-tecnológico”, afirma da Silva.
Desse modo, o investimento passaria tanto pela compra de maquinário, quanto pela compra de insumos variáveis conforme o andamento da pesquisa — produtos que não são baratos e que necessitam de altos valores para serem adquiridos.
Além do reajuste das bolsas e dos salários, falta um planejamento de carreira e vida a longo prazo, que inclui uma revisão das regras previdenciárias.
“A contagem para aposentadoria no Brasil não inclui o tempo [de bolsa] de mestrado, doutorado e pós-doutorado, contrastando com outros países em que essas posições contam no tempo de serviço”, lembra Dário Oliveira, professor adjunto na Escola de Matemática Aplicada da FGV Rio.
Atualmente, os bolsistas são considerados “contribuintes facultativos”. Projetos para modificar essas regras tramitam no Congresso, como o Projeto de Lei 675/2022, que tem como proposta trazer um recolhimento da bolsa para a previdência a uma alíquota de 5% sobre valor total recebido.
Além da aposentadoria, os bolsistas também não recebem 13º salário, férias, seguro de vida, entre outros benefícios regidos pela CLT.
A docência não precisa ser o único tipo de trabalho possível para pesquisadores, segundo os especialistas.
É preciso que o mercado de trabalho absorva essa mão de obra qualificada para que a pesquisa científica também seja desenvolvida em outros polos além das universidades.
“Parcerias público-privadas, investimentos de empresas privadas e um mercado aquecido de startups geralmente permitem um fluxo de financiamento em pesquisa que ajudam a financiar projetos essenciais e alunos em quantidade e qualidade (…) É importante o investimento para a existência de centros acadêmicos de excelência, mas também criar condições para que pesquisadores formados nesses centros tenham emprego adequado fora da docência também”, aponta Oliveira.
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