“A Coopercaps completou agora no último dia 30 de agosto 21 anos. Foi constituída lá atrás, com 22 catadores, que trabalhavam de forma individual e que tiveram uma oportunidade de poder sair e se abrigar da chuva, do sol, ter um lugar mais salubre pra trabalhar. Através dessa transformação, nós buscamos conhecimento e educação. O trabalho de inserção, de integração, de devolução de cidadania, é esse que é o trabalho da cooperativa”.
Quem fala, emocionado, sobre o trabalho da Coopercaps é Telines Basílio Junior, que trabalha no setor dos resíduos há 30 anos e, atualmente, é presidente da cooperativa.
A entidade é uma das mais produtivas do Brasil e, hoje, emprega diretamente cerca de 400 pessoas para o trabalho da separação e reciclagem de resíduos sólidos e orgânicos. Um trabalho muitas vezes artesanal, mas que movimenta uma cadeia gigantesca.
No Brasil, se acordo com o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), há cerca de 800 mil catadores em atividade. No mundo, de acordo com a Organização Mundial do Trabalho, a OIT, são mais de 15 milhões.
“A própria lei da política nacional do meio ambiente, trouxe uma possibilidade de que ao colocar uma priorização para a inserção dos catadores e das cooperativas, aquilo que era um problema social pudesse também ter uma solução”, diz Patrícia Iglecias, professora de Direito Civil e Ambiental da Faculdade de Direito da USP (FDUSP).
“A legislação considera o resíduo como um bem gerador de de renda e cidadania. Então é uma lógica um pouco diferente de um conceito tradicional do que seria o resíduo”, argumenta.
Por aqui, o trabalho dos catadores ajuda o Brasil a superar uma marca preocupante: no país, o índice de reciclagem está entre 3 e 4% há mais de 10 anos. É uma proporção irrisória, ainda mais quando comparada à média mundial, de 19%, e até mesmo a latinoamericana, de 6%.
A preocupação aumenta ainda mais quando se pensa que, além das taxas de reciclagem serem baixar, o consumo e a produção de resíduos vem aumentando, principalmente nas grandes cidades.
Cooperativas como a Coopercaps atuam em parcerias com grandes empresas, dando a destinação adequada até mesmo a substâncias que, para a maior parte da população, não parecem passíveis de reciclagem.
É o caso das cápsulas de café, cada vez mais populares nos ambientes corporativos e que possuem uma destinação conjugando os diferentes materiais que fazem parte de sua composição.
“Essas cápsulas chegam para nós, e depois a gente faz a parte da separação de plástico e alumínio. Depois, eu levo até a máquina para fazer a separação da borra de café e a separação do plástico”, diz Fábio, um dos cooperados da Coopercaps.
“De um lado da máquina sai a borra de café, do outro sai a cápsula limpa para comércio. Já a borra de café vai para uma cooperativa de compostagem”, explica.
O trabalho de reaproveitamento dos componentes da cápsula de café é um dos exemplos da chamada logística reversa: determinado produto, após a utilização, é devolvido pelo consumidor ao fabricante.
A empresa, por sua vez, aciona a cooperativa, que fará a reciclagem e a destinação correta – podendo, inclusive, devolver o produto, agora transformado através da reciclagem, ao processo produtivo.
De acordo com a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), a logística reversa é obrigatória para alguns segmentos da indústria.
A consciência de que a iniciativa privada deve ser incentivadora do trabalho das cooperativas e dos processos de reciclagem também é essencial. Isso porque, nos últimos anos, cresceu o movimento de compra de resíduos passíveis de reciclagem, como papel, vidro, e plástico vindos do exterior.
Uma medida vista como vantajosa para muitas empresas, que consideravam o processo de importação do lixo mais barato do que a integração com os catadores, enfraquecendo o setor.
Para tentar mudar esse cenário, o governo federal decidiu, em agosto de 2023, unificar e elevar para 18% as alíquotas do imposto de importação desses resíduos. Uma medida comemorada por especialistas.
“O que vai acontecer na prática é que não há uma verdadeira mensuração desses custos da importação. E aí eu diria que nós poderíamos falar inclusive nos custos sociais. Porque se a lei brasileira priorizou a inserção dos catadores e com a inserção dos catadores, nós teríamos uma profissionalização e um resíduo gerando cidadania e dignidade para esse setor, no momento em que eu deixo isso de lado, eu tenho um dano social um dano à sociedade do ponto de vista social. Você vai diminuindo a quantidade de reciclagem e com a importação o valor daquilo que eles separaram aqui foi sendo também afetados”, argumenta a professora Patrícia Iglecias.
Para os setores envolvidos na reciclagem no Brasil, as políticas para aumentar a reciclagem fazem parte de uma cadeia complexa, que envolve medidas integradas dos gestores públicos e um esforço conjunto por parte da sociedade.
Para esses atores, o reconhecimento e a valorização do trabalho dos catadores é uma das pontas de uma grande mudança cultural.
“Pra se falar de meio ambiente, a gente precisa falar de educação, de saúde, de mudanças climáticas. Mas a gente esquece de falar de justiça climática, porque são as pessoas da mais alta vulnerabilidade social que estão na ponta e que sofrem esse impacto imediato. E não adianta pensarmos em algo rápido. A gente precisa pensar a médio e longo prazo. E pensando em médio e longo prazo, só a educação pode mudar e transformar o país que a gente vive”, completa Telines Basílio Junior.
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