Mesmo com alguns aumentos recentes, a taxa de desocupação no Brasil está atualmente nos menores níveis desde 2015, antes de as grandes recessões daquele ano, e depois da pandemia da Covid-19 fazê-la subir e ficar persistentemente acima dos 10%.
Sem os efeitos causados pela pandemia, porém, que têm feito milhões de brasileiros desistirem de trabalhar, o nível do desemprego estaria bem mais alto do que o dado oficial está mostrando.
É o que indica um levantamento feito por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) com base no histórico de dados oficiais de mercado de trabalho do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Em abril, a taxa oficial de desemprego do país ficou em 8,5%, no menor nível para o mês desde 2015.
Entretanto, se todas as pessoas que deixaram o mercado nos últimos anos tivessem continuado trabalhando ou procurando emprego, essa taxa estaria entre 11,4% e 12,1%, de acordo com a pesquisa da FGV.
Isto acontece porque, desde 2020, quando a pandemia do novo coronavírus explodiu no Brasil e no mundo, a participação de brasileiros na força de trabalho teve quedas bruscas e, mesmo depois de alguma recuperação, segue ainda abaixo dos níveis históricos.
No dado mais recente, em abril, essa taxa de participação estava em 61,4% — o que significa que 61,4% dos brasileiros em idade para trabalhar (com mais de 14 anos, pela metodologia do IBGE) estavam trabalhando ou procurando emprego.
Antes da pandemia, essa proporção chegou a passar dos 63%. A diferença representa aproximadamente entre 3 milhões e 4 milhões de jovens, adultos e idosos brasileiros que pararam de trabalhar depois de 2020 e ainda não voltaram.
O que o estudo da FGV fez foi simular qual seria a taxa de desemprego caso esse contingente tivesse continuado procurando emprego e, portanto, aumentando a concorrência pelos postos disponíveis.
Em abril, eram 107,1 milhões dessas pessoas no mercado de trabalho.
No primeiro cenário, os pesquisadores simularam qual seria a taxa de desemprego caso o nível de ocupação tivesse se mantido no mesmo nível registrado imediatamente antes da pandemia, que foi de 63,4% em fevereiro de 2020.
Neste caso, o Brasil teria hoje 110,5 milhões de pessoas buscando trabalho (em vez dos atuais 107,1 milhões) e a taxa de desemprego seria de 11,4%.
No segundo cenário, os cálculos estimaram qual seria o tamanho desse contingente caso ele tivesse continuado crescendo no mesmo ritmo com que vinha crescendo em 2019.
Neste cenário, seriam hoje 111,5 milhões de brasileiros buscando trabalho, e a taxa de desocupação subiria até 12,1%.
A taxa de desemprego é calculada pelo IBGE considerando todas as pessoas que estão sem emprego e procurando um, em proporção à toda população trabalhando ou procurando trabalho.
Pessoas que não estão trabalhando, mas que também não estão procurando, não são consideradas desempregadas e não entram na conta.
Isso significa que, se mais pessoas desistem de procurar emprego, a taxa de desemprego também cai — e não necessariamente apenas quando aumenta o número de vagas oferecidas e preenchidas ou de autônomos e informais exercendo a sua atividade.
“Como houve uma redução muito grande na força de trabalho, de pessoas que pararam de procurar trabalho, o que temos hoje é uma taxa de desemprego artificialmente mais baixa”, diz o economista do Ibre Fernando de Holanda Barbosa Filho, um dos autores do estudo.
“Com os dados que temos, não dá para fazer um juízo de valor, dizer que isso é bom ou ruim. Mas o que sabemos é que ter 8,5% de desemprego hoje não é a mesma coisa que 8,5% de desemprego há cinco anos. Não é um mercado de trabalho em ritmo alucinado, com a economia bombando, com muita gente trabalhando”.
Além de Barbosa, também assinam a pesquisa os economistas da FGV Fernando Veloso, Janaína Feijó e Paulo Peruchetti.
Menos pobres trabalhando
Como outros economistas e estudos já têm notado, o novo estudo da FGV também verifica que essa redução na força de trabalho tem se dado com maior força entre as pessoas de baixa renda.
Esse fenômeno tem sustentado a análise de que os fortes reajustes promovidos no Bolsa Família — que, desde o fim do ano passado, ainda como Auxílio Brasil, passou a pagar R$ 600 — podem estar influenciando a situação.
De acordo com Barbosa, as saídas do mercado de trabalho têm sido maiores entre as pessoas com salário abaixo de R$ 1.300, ou com renda familiar per capita de R$ 325 a R$ 600.
“É bem o grupo que ganha as transferências”, aponta o economista da FGV.
Ele destaca também o fato de que o número de pessoas no mercado de trabalho voltou a cair em setembro do ano passado, pouco depois de o Auxílio Brasil ser aumentado de R$ 400 para R$ 600, às vésperas das eleições, pelo então governo de Jair Bolsonaro (PL).
“Pode ser que o Bolsa Família mais alto esteja desestimulando as pessoas a trabalharem ou pode ser que o novo valor esteja permitindo que o jovem que trabalhava e estudava passe a poder só estudar”, diz.
“Com os dados que temos não dá para saber o real impacto das transferências, mas acende um alerta”.
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